Línguas dos Candomblés de Angola-Congo

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* Professor Doutor Sérgio Paulo Adolfo – Tata Kisaba Kiundundulu Universidade Estadual de Londrina As casas de candomblé de congo-angola usam como línguas veiculares, segundo a opinião geral do povo-de-santo angoleiro, o kimbundo e kikongo, línguas do grupo lingüístico bantu, ambas faladas na República de Angola, a primeira pelos ambundos e a segunda pelos bakongos, povos que fazem limites geográficos entre si e dentre os quais foram trazidos milhares de pessoas escravizadas para o Brasil, entre os séculos XVI e XIX. Quando Edison Carneiro escreveu o seu Candomblés da Bahia (CARNEIRO: 1978) ele diz que os candomblés da Bahia estão divididos em dois grandes segmentos, o gege-nagô, que englobaria todos os candomblés de origem nagô e o congo-angola que englobaria os candomblés de origem bantu, de povos oriundos do centro sul da África. Com essa afirmativa ele cunhou para a academia e para o público em geral a idéia de que os bantu fundadores do candomblé dessa vertente eram oriundos dos países de angola e do congo, e como tal falantes das línguas kimbundo e kikongo. Essas idéias de Edison Carneiro passaram para a posteridade e foram transmitidas através da oralidade por muitas gerações, que sem acesso a maiores informações cristalizaram essas idéias que circulam entre o povo-de-santo até hoje. No entanto, pesquisas recentes, através de etnografia da época e de novas bibliografias produzidas no mundo bantu atual, têm lançado novas luzes sobre esse fenômeno religioso e trazido novos esclarecimentos a respeito da origem dessa religião. Existe um substrato lingüístico que permaneceu de forma, algumas vezes bastante alterado lingüisticamente, mas que é possível através dele, encontrarmos algumas respostas sobre a origem do culto do candomblé de congo-angola no Brasil. Temos, em outros textos nossos, demonstrado que o Candomblé de Congo-angola, apesar do nome – candomblé de angola - é de origem congo, e que a contribuição angolana (ambundo) nos ritos ou na língua kimbundo é quase inexpressiva. A origem desse artigo é exatamente demonstrar que a maioria esmagadora do vocabulário utilizado no dia-a-dia e na prática do culto, no cotidiano litúrgico, é composto de palavras pertencentes ao kikongo, e não ao kimbundo como muitos afirmam, o que evidencia nossa origem no mundo cultural bakongo, de língua kikongo. Nosso material básico de apoio é o dicionário de kikongo de Pierre Swartenbroeckx, S.J. de 1973, do Centre de D`etudes ethnologiques de Bandudu, République Du Zaire e também o dicionário de Português-kimbundo-kikongo do Pe. Antonio da Silva Maia de 1961, publicado na Republica de Angola, quando esta ainda era colônia de Portugal. As palavras alecandas foram coletadas no Nzo Tumbansi de Itapecerica da Serra-Sp e cotejadas com outros informantes de outras casas de angola em Londrina-Pr. Há uma série de termos, geralmente em kimbundo, que foram introduzidos muito recentemente por influência de leituras e acesso a dicionários. Essas novas palavras de introdução recente foram descartadas por nós, que apenas alencamos aquelas palavras com um histórico dentro do culto porque as novas palavras, como são fruto de aquisição recente não oferecem possibilidades de análise para verificarmos a origem. As palavras alecandas são as mais usadas. Ficaram de fora alguns cumprimentos, nomes de comidas votivas - essas são nomeadas quase todas em língua iorubá dado à influência do candomblé de ketu sobre as outras vertentes do candomblé. Nesse momento, algumas casas estão buscando introduzir nomes em kikongo ou kimbundo para as comidas, num movimento de volta às raízes bantu, já discutidos por nós em outro texto. Esse cabedal de 80 palavras dá conta da necessidade lingüística das casas, isso sem contar as rezas e cantigas, algumas já traduzidas por nós, com sua origem também no kikongo, mas que será objeto de outro trabalho. As palavras precedidas de kk pertencem ao kikongo, as precedidas de kb pertencem ao kimbundo, e aquelas com uma interrogação é porque não foram encontradas em nenhum dos dois dicionários, ou seja, são para nós de origem desconhecida, ou tão modificadas pela oralidade que se transformaram em outros termos. Como todos esses conhecimentos, rezas, cantigas, linguajar diário foram preservados e transmitidos pela oralidade, muita coisa acabou se adulterando ou perdendo seu sentido original nesse século e meio de existência. Mas o que hoje existe é suficiente para percebemos a origem dessas palavras, e podermos constatar que a maioria esmagadora delas é de origem kikongo, como demonstraremos a seguir.

OBJETOS, ATITUDES E OUTRAS FALAS 1.dilòngà – prato kk 2.Ndáka - lingua, goela, cordas vocais, palavra, palavra.kk 3.ménga - sangue kk 4.maza -água, rio, líquidos variados. kk 5.ndó - compartimento, acampamento noturno, banheiro kk 6.ngoma grande tambor de dança cilíndrico.kk 7.Nsàba - jardinzinho, horta, pequena plantação.KK 8 .Nzàlà - fome, penúria, necessidade KK
9.Bakissi kk (quarto de santo) ? 10.kuxikama – assentamento do santo (?)
11.Nzo kk (casa) 12.Ndó kk (banheiro) 13.Sakulupemba kk (limpeza com pemba) 14. Sakula kk (limpa) 15.Katula kk (corta) 16.Nkuala (cabaça) kk 17. Ngoma kk (tambor) 18.Muana-Puto (fósforo) ? 19.muíla (vela) ? 20.maza kk (água) 21.kanjica,(?) kidobo kk 22.Nkaba kk (mandioca) 23.massangu kk (milho) 24.Nguba kk (pimenta) 25.Kezu - plural makezu (obi) kb – kazu -kk 26.diki kk (ovo) 27.Fufú kk (farinha) 28.mungwa kk -sal 29.dendê kk (azeite) 30.Mafuta kk -óleo 31.Nungu kk (pimenta) 32.Malavu kk (bebida fermentada) 33.Dimpá/mampá – kk (pão) 34.lôso kk (arroz)  35.Dikondi/makonde – kk (banana) 36.Nkalu – kk (cabaça) 37.duté (chá) ? 38.dulé (leite) ? 39.mateme café (?) 40.mbele (navalha) Kb No primeiro grupo, composto de 40 palavras, encontramos apenas duas Mbele (navalha) e Kezu (noz de cola) como de origem kimbundo. Duté (chá), Dulé (leite) e mateme não conseguimos encontrar a origem. E baquissi, que provalvemente é um termo derivado do termo Nkissi, ou seja o lugar onde os Bakissi ficam, que é o quarto de santo. Sendo assim, apenas duas palavras são de origem comprovada do kimbundo, sendo todas as outras, com as exceções acima, de origem kikongo.

CARGOS E FUNÇÕES 01.Ndumbo kk (não iniciado) 02.Muzenza kk estrangeiro, desconhecido.kk 03.kota kk (mais velho na hierarquia) - mais velho, nascido primeiro, chefe, condutor, guia, rainha das abelhas kk 04.Makota ? 05.Nengua kk (mãe de santo) 06.Nganga/Tatá Nkissi kk (pai de santo) 07.Tata Pokó /kb Tata kivonda kk (sacrificador) 08.Tata Nsaba kk Pai das folhas 09.Tata xikarongombe kk (tocador de atabaques) 10.Yayá kk (pessoa mais velha) 11.Mameto Kusasa (?) 12.Mameto Ndengue kb (mãe pequena) 13.Kambondu (kambanda – auxiliar do Kimbanda Kb – kambana (confidente kk)). 14.Mametu Mukamba kk (cozinheira) 15..Mona Nkissi kk (filho de santo) 16. Mutue (mutu) (cabeça) kk Nesse outro grupo de 16 palavras há apenas uma que pode ter origem no Kimbundo, que é a palavra kambondu (kambanda), mas que também pode vir do kikongo, kambana. Também Mameto Ndengue tem sua origem no Kimbundo. Mameto kusasa não foi encontrada a origem em nenhum dos dois dicionários e Makota é com certeza uma criação brasileira, pois Makota é o plural de kota e no Brasil serve para designar a mulher que auxilia nos serviços gerais da casa, e que goza de grande prestígio. Portanto, das 16 palavras, apenas quatro tem origem em outra língua que não o kikongo.

DIVINDADES 01.Mpambu Nzilla, Mavambo, Maville, Nkodi – espíritos guardiões - kk 02.Nkossi –espírito guardião kk 03.Mutakalambô – caçador - kb 04.Kabila –caçador - kk 05.Ka tendê – espirito das folhas - kk 06.Angorô – o arco-íris - kk 07.Nzinga Lubondo – ligado ao arco-íris - kk 08.Kavungo – senhor da terra - kk 09.Gongobila – caçador do Congo - kk 10.Nzazi – o raio - kk 11.Loango – o raio entre os woyo - kk 12.Tembu/Kindembo – o tempo -kk/kb 13.Nsumbo – senhor da terra- kk 14.Ndandalunda (Ndandalunga?) divindade das águas doces - kk 15.Mikaiá - ? 16.Samba kalunga – divindade dos mares e oceanos - kb 17.Kissimbe – deusa das águas doces - kk 18.Matamba – deusa da guerra e das batahas - kk 19.Mbambulussema – divindade das águas e das chuvas - kk 20.Kaiongo- divindade do fogo - kk 21.Ndandazumba – divindade feminina ligada a terra e ao ciclo lunar - kk 22.Lemba – divindade da procriação – kk - kb 23.Nvumbi – espírito dos mortos – kk 24. Vunji – (mvunji?) kk Nesse grupo de palavras que nomeia as divindades, não encontramos a origem de uma: mikaia. Não foi encontrada nem no dicionário de kikongo nem no de kimbundo. As palavras mutakalambô e Kitembu (esse último de introdução recente no vocabulário de congo-angola) são de origem kimbundo, mas kitembu tem também seu correspondente em kikongo que é Tembu e que significa vento forte, borrasca, aliás o mesmo significado em kimbundo. Tembu deve ter dado origem a Tempo, que é como é nomeada a divindade nas casas de santo angoleiras. Mutakalambô também aparece em rezas com a grafia Mutalambô, aí sim de origem kikongo. Samba Kalunga é um termo encontrado no kimbundo, separado, sendo Samba – senhora nobre e kalunga como o mar. Logo, samba kalunga significa senhora do mar. Também a divindade Lemba tanto é encontrada no kikongo quanto no kimbundo pois se trata de uma divindade universal no mundo bantu não sendo exclusiva de nenhum grupo étnico e lingüístico. A discussão acalorada que acontece entre os angoleiros, de quem é de origem congo e de quem é de origem angola cai por terra quando analisamos o vocabulário que eles mesmos usam. Se das oitenta palavras coletadas, de uso corrente nas casas de santo, a maioria esmagadora é de origem kikongo, e que apenas sete palavras são de origem kimbundo, é um sinal diacrítico de que o candomblé de congo-angola tem sua origem no mundo cultural bakongo de fala kikongo, e que com certeza recebeu alguma contribuição de elementos de fala kimbundo, mas em grau bastante reduzido. Como o kimbundo tornou-se acessível através de dicionários, a partir dos anos 80, foi fácil para muitos sacerdotes, com maior acesso a leitura, passarem a procurar explicação lingüística através do kimbundo, uma vez que o kimbundo é uma língua de prestígio na República angolana – O MPLA o partido que está no governo em Angola é de etnia kimbundo, porque Luanda fica no território kimbundo. Além disso, parte da literatura ficcional angolana tem o kimbundo como base nas suas criações e essa literatura é de relativo acesso no Brasil. Assim, vários elementos, alguns até inconscientes fizeram do kimbundo uma língua de prestígio também no candomblé de congo-angola, pois os dicionários de kikongo só chegaram ao Brasil de forma muito esparsa, dificultando assim a consulta dos Sacerdotes e religiosos, em contraposição ao dicionário de kimbundo de acesso mais permitido. A discussão sobre quem é de origem congo, e quem é de origem angola baseia-se numa história oral e conhecimentos passados de geração a geração. Há uma casa, descendente do Tumbenci de Maria Nenê cujos descendentes se dizem os únicos de origem congo no Brasil e que todas as outras seriam angola É uma história que vem passando ano após ano sem a devida verificação documental, e que tem servido para algumas dissensões entre o próprio povo-de-santo angoleiro porque os presumíveis descendentes do congo acabam se impondo como os únicos verdadeiramente corretos na prática do candomblé dessa modalidade. Outra razão apontada pelos angoleiros, de que Maria Nenê – Thuenda Dia Nzambi – recebeu o codinome de Mãe do Angola na Bahia, título que mantém até hoje, o que seria um atestado de que a mesma era de angola e não do congo. Não temos conhecimento de quem atribuiu a ela tal título, mas pelas dijinas – nomes iniciáticos – atribuídos aos seus filhos, leva-nos diretamente ao mundo cultural bakongo e a língua kikongo. As dijinas todas são em língua kikongo e o próprio nome da casa de candomblé que fundou ou herdou tem um nome kikongo – Tumba Nsi – que significa lugar de religiosidade, lugar de adivinhação. Logo, se a mesma fosse da área cultural ambundo teria dado as dijinas e o próprio nome de seu templo em Kimbundo e não em Kikongo como ela o fez. Faltam estudos mais apurados a respeito do assunto para que as dúvidas suscitadas pela herança oral possam ser dirimidas. Esse nosso artigo é apenas um alerta para que outros estudiosos possam retomar o assunto e discuti-lo melhor. REFERÊNCIAS MAIA, Antonio da Silva. Dicionário complementar português-kimbundo-Kikongo.Cucujães: Missões, 1961. SWARTENBOECHX , Pierre. Dicionaire kikongo et kituba – Français. Bandudu – Repúblique du Zaire: Editora Centre de estudes ethnologiques.

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