BANTU
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Antes de iniciarmos este texto
devemos elucidar. O termo BANTU é um etmo que serve como mecânismo geopolítico
para designar tal civilização lingüística de acordo com o renomado filólogo
europeu - Porém este termo não nos garante fidelidade ao pensamento milenar ou a
etnia milenar de africamos meridionais que se expressam de formas intrigantes
aos olhos atuais, sendo os mesmos religiosamente membros desta etimologia
arraigada de preciosismo acadêmico tão alvo como as nuvens do céu e tão
obscurecido pela sombra de cor pálida dos colonizadores, imperialistas europeus
ou escravocratas de outrora que querem dar nomes sedentos de descobertas
desastrosas.
Os Minkissi ou Makishi, singular
Nkissi ou Nkishi, divindades originárias do Congo, de Angola (Cambinda), e de outras províncias com diferentes
nomes, representam de forma lingüística um significado referente à magia, ou um
determinado elo complexo entre o mundo real e o mundo sobrenatural.
Incompreendidos pelo olhar ocidental os Minkissi foram capturados, subjugados e
destruídos pelas constantes investidas das culturas cristãs na África Banto,
considerados elementos fetichistas, arcaicos e ignorantes que faziam
resistência à religiosidade cristã. Hoje suas resistências na África e no Novo
Mundo comprovam a intolerância, a arrogância etnocentrica por parte do homem
ocidental, e o brutal imperialismo que o povo africano sofreu desde o início do
século XII até os dias atuais.
Toda religiosidade
"Bantu" concentra-se na transição entre o mundo dos vivos e os
diversos paralelos entre o mundo dos mortos. A visão manequeísta entre o bem e
o mal, muito conhecida entre as religiões ocidentais, afasta-se da
multipluralidade das religiões africanas na África-Banto ou no Brasil-Banto. A
visão européia acostumada em atribuir valores e funções específicas a objetos e
práticas religiosas como: elementos relacionados à religião, a educação, a
arte, a medicina, ou a uma ciência peculiar ou instituições sociais, afastam-se
da visão Banto da multifuncionabilidade do campo divino (Minkissi). Por isso,
as divindades como os objetos sagrados podem assumir várias funções ao mesmo
tempo. Assim, o Nkissi pode ser a divindade de ligação entre a esfera do mundo
real e as diversas esferas do mundo sobrenatural; também pode ser o remédio por
suas qualidades terapêuticas; a magia motivada pelo fenômeno da incorporação, e
a perpetuação da vida acomodando-se em diversas manifestações da natureza como
a flora e a fauna estabelecendo-se dentro do homem e por conseguinte,
reforçando a memória, a perpetuação das tribos, dos clãs, e em tempos
posteriores a continuação e manutenção de valores familiares-tribais. Na África
Banto encontramos diversos Minkissi como: Nkondi; protetor das aldeias de
caracter agressivo, muito utilizado para afastar Ndoki e kiumba, ou seja,
bruxos, feiticeiros, criminosos, energias negativas e forças maléficas; Nkisssi
Si, guardião das terras e dos territórios muito ligado a fecundidade masculina,
Nkissi Banchi, ligado à caça e ao clã dos caçadores, Nkissi Pfemba que através
do processo de colonização chega ao Brasil reapropriado pelo mito de Lemba, de
sexo feminino em sua primeira forma sendo também cultuado como masculino
chamando-se Lemba, responsáveis pela fertilidade masculina e feminina, pelo
inicio da vida e ao mesmo tempo como símbolo de nobreza e realeza, destacamos
outros como Nkissi Lumueno, protetor da caça e persseguidor dos malfeitores. O
nkisi tem varias finalidades e objetivos. No entanto seu maior pestigio está no
oferecimento de cura para doenças diversas, portanto se falta medicamentos, os
povos Bantu não podem fazer coisa alguma. Assim o nkisi quando tem
medicamentos, que geralmente são caregados ou amarrados pelo Nganga no “bilongo”
em redor dos “Juju” que são estátuas de minkissi, eles são suas forças, suas
mãos, seus pés, seus olhos e principalmente seu “hamba”. Por isso, o nkisi é
usado pela comunidade inteira, com o passar do tempo adquire muitas lâminas,
cunhas, pedaços de tecidos e mais medicamentos que são colocados no intuíto de
atender pedidos e súplicas dos mais diversos problemas cotidianos. Assim, há a
criação de muitos “Juju”ou "itekes", pois cada um soma a seu poder,
uma infinidade de intenções depositadas pelo povo Banto.
Outro dado nos é oferecido pelo
sacerdote e pesquisador Valmir Damaceno, ou Tata Katuvanjesi quando retarata a
origem dos minkissi, a narrativa que nkissi Funza, que tem forma humana e vive
remotamente invisível em baixo da terra e na superfície da água. Aquele nkissi
que quando esta entre os homens trasforma-se em panela, “bengue” dentro de uma
cesta, este nkissi é visto como o primeiro nkissi e é considerado como o
remédio ou medicamento sagrado que deu lugar a todos os outros minkissi. Além disso,
encontramos outras divindades ou outros cultos paralelos como Nkita, que se
associa às ervas e aos poderes sobrenaturais dos espíritos das florestas, quase
sepre invocados na Iniciação. Além de Isumbo a mãe da ráfia e da terra
curadora. Em geral, esses Minkissi quando vieram para o Brasil foram
reapropriados e, muitas vezes, fundidos com outras divindades africanas como
Voduns dos Gegês, e principalmente com os Orixás Nagôs e santos católicos.
Eventualmente o processo de reapropriação das divindades africanas no Novo
Mundo seguiu a aproximação por clãs. Assim, podemos citar os seguintes clãs
como: Clãs dos Guerreiros; Nkonde, Nkossi (Banto), Ogum (Nagô), Gun (Gegê). Clã
dos Caçadores; Lumueno, Banchi, Muta, Mucongo, Mutakalambo (Banto), Odé, Oxossi
(Nagô). Clã dos Reis; Lemba, Pfemba, Ilunga (Banto), Xangô (Nagô), Heviosso
(Gegês). Clã Matriarcal; Samba, Kaiala, Dandalunda, (Banto), Oxum, Iemanjá
(Nagô), Lissa, Axiri (Gegê). Clã da Ráfia; Kavungo, Isumbo (Banto), Obaluaye
(Nagô), Sakpata (Gegê), entre outros. No entanto devemos advertir que cada
Nkissi, Orixá e Vodum representa um universo semelhante, mas não igual ou
idêntico, pois cada divindade está vinculada a uma cultura distinta e peculiar.
É claro que houve um processo desencadeado por fatores históricos como: as
invasões em terras africanas por Portugueses, Ingleses, Holandeses, o comércio
escravocrata, as guerras internas tribais em território africano, as misturas
de diferentes povos africanos no Brasil etc. Portanto, o sincretismo no Novo
Mundo e principalmente no Brasil pode ser representado por um gráfico com
algumas ressalvas, pois em alguns lugares do território brasileiro a
reapropriação terá outras vertentes sincréticas.
Como a nossa proposta é comentar
o universo dos Minkissi, voltamos aqui ao assunto. Na África como no Brasil os
Minkissi representam, em espécifico, vários setores da natureza como: á agua, o
mar, a lavoura, a terra, o sol, a chuva e, em geral, são os guardiães das
aldeias, todos caçadores ou seja fundadores de povoados, que no espaço
"Banto" correspondem a guerreiros, desbravadores, justiceiros e
principalmente curandeiros, Todos de personalidade forte, quase sempre
confeccionados de forma mau-humorada, e quando incorporados nos seus filhos, os
mesmos devem ser descendentes dessa tradição, os mesmos trazem no rosto um
sinal de seriedade e rigidez, porém são seres destemidos que enfrentam os
inimigos visíveis e invisíveis. Assim existe no Brasil a seguinte disposição
entre os Minkissi e seus diversos rituais estando dispostos entre as nações de
Angola e de Congo:
Nzambi Npungo – Deus poderoso,
criador.
Nkulu ou Makulu – Antepassados.
Pambu`njila – Senhor dos
caminhos.
Nkosi – Justiceiro.
Catendê – Senhor das ervas.
Npanzo – Senhora das ervas.
Mutakalambo – Deus da caça.
Mukongo – Caçador.
Cabila – Pastor.
Mutajinji – Caçadora companheira
de Mutakalambo.
Mutadinan – Caçadora destemida.
Kavungo – Deus da ráfia.
Nsumbo – Deus ou Senhora da
ráfia.
Hongolo – Senhor do arco-íris.
Hongolomenha – Senhora do
arco-íris.
Nzazi – Rei dos raios.
Luango – O senhor dos trovões.
Kitembo – O Deus das árvores e da
atmosfera.
Matamba – Rainha da caça e dos
espíritos das florestas.
Nvulusema (Banburussema) -
Senhora das tempestades.
Vunji – Protetora das crianças,
Senhora da justiça.
Dandalunda – Senhora das
colheitas.
Kissimbi – Senhora dos rios.
Samba Calunga – Mãe de todos os
seres, dona do mar.
Kaitumbá – Rainha do mar ou dos
rios.
Micaiá – Senhora das costas dos
rios ou dos oceanos.
Kissanga – Forças das águas,
sereias dos rios.
Zumbarandá – Mãe da terra
molhada.
Lembá – Senhor da criação.
Vumbe – Alma do morto.
O mundo natural para o povo Bântu
é a totalidade de totalidades amarradas acima como um pacote (futu) por
Kalunga, a energia superior e mais completa, dentro e em volta de cada coisa no
interior do universo ( luyalungunu). Nossa Terra, o “pacote de essências” (futu
dia n’kisi) para a vida na Terra, é parte dessa totalidade de totalidades. É
vida. É o que é, visível e invisível. É a ligação do todo em um através do
processo de vida e viver ( dingo-dingo dia môyo ye zinga). É o que nós somos
porque somos uma parte disso. É o que mantém cada coisa na Terra e no Universo
em seu lugar.
O conceito Bântu-Kôngo da
sacralidade do mundo natural é simples e claro. Tem-se que deixá-los definir o nosso
planeta com suas próprias palavras: “Aos olhos do povo Africano, especialmente
aqueles em contato com os ensinamentos das antigas escolas Africanas, a Terra,
nosso planeta, é futu dia n’kisi diakânga Kalûnga mu diâmbu dia môyo - um
(pacote) de essências/remédios amarrados por Kalunga com intenção de vida na
Terra”. Esse futu ou funda contém cada coisa que a vida precisa para sua
sobrevivência: essências/remédios (n’kisi / bilongo), comida (madia), bebida
(ndwinu), etc. O mundo natural é o que nós vemos, tocamos, sentimos, saboreamos
e ouvimos e ainda assim nós não podemos alcançar o significado em sua
totalidade. É o mistério de todos os mistérios. É o cerne do que é espiritual e
sagrado. É ligar e desligar (Kala ye Zima) de todas as coisas, i.e., Nkingu
Kibeni Wangudi Wa Kinenga mu biobio (a chave princípio de equilíbrio em tudo).
Todas essas coisas, com ou sem expressão, com ou sem poder de locomoção, de
acordo com o conceito Bântu de sacralidade são seres (Kadi). Os povos Bântu,
Kôngo e Luba, entre eles, aceitam o mundo natural como sagrado em sua
totalidade porque, através dele, vêem refletida a grandeza de Kalunga. A
energia superior de vida, aquele que é inteiramente completo (lunga) por si
próprio. Assim, quando um Mûntu (ser humano) vê um minúsculo cristal (ngêngele)
ele/ela vê nele, não só sua sacralidade, mas também a presença divina de
Kalunga. Além da atenção e admiração dadas a montanhas, vales, ao vento, ao céu
e às mudanças do ciclo natural, o Mûntu dá especial atenção ao mundo da floresta
porque, como se diz, “Mfinda Kasuka tufukidi” - nós perecemos se as florestas
são extintas. Por causa dessa visão popular entre os Bântu, o próprio ato de
entrar na floresta torna-se um ritual sagrado.
Antes de alguém entrar na floresta deve
preparar-se ritualmente, porque adentrar na floresta é entrar numa das mais
ricas e bem documentadas bibliotecas vivas na Terra. Em seu leito e abaixo
vivem centenas e centenas de criaturas, grandes e pequenas, visíveis e
invisíveis, fracas e poderosas, amigáveis e hostis, conhecidas e desconhecidas.
Em seu interior correm, serpenteando, rios dentro dos quais nadam multidões de
peixes. E acima de suas folhagens pode-se ouvir sons e melodias de todos os
tipos. Todas essas “coisas”, dentro da floresta, constituem assuntos de
aprendizagens para Mûntu, das quais ele coleta dados que pode “engavetar” em
sua memória para uso futuro. Esse é o processo de construir conhecimento -
nzailu. Por causa dos aspectos de hostilidade presentes na floresta, o Mûntu
deve proteger-se antes de entrar na floresta. Para isso, algumas vezes tem que
imunizar seu corpo -kândika nitu antes de deixar a aldeia, especialmente
durante a estação de caça. O processo nkandukulu a nitu - imunização do corpo
consiste em esfregar preparação medicinal no corpo, introduzir algo no corpo
através de pequenas incisões na pele ou através da boca. Até mesmo os cães de
caça passam por esse processo e são imunizados antes deles serem conduzidos
para dentro do mato. Adentrar uma floresta familiar é percebido como andar nos
passos dos ancestrais. É descobrir o que eles conheceram transmitiram para nós,
mas também encontrar saída onde eles deixaram fechado de modo que possamos
caminhar em direção a mais descobertas para as necessidades de nossas gerações
e aquelas das gerações futuras. Porém lá é mais que isso. Andar na mata durante
a iniciação é revisitar Makulu , onde cada coisa é possível de ser encontrada -
Digamos aqui antes do trecho, que estudiosos Kôngo modernos estão usando este
termo, makulu, nas suas conversações para significar biblioteca. Bem, não são
as bibliotecas do mundo, coleções, em grandes parte, dos trabalhos dos mortos
(bakulu), os ancestrais? Não é humanidade constituída por mais mortos do que
vivos? A revisita de makula tem um grande impacto na mente de ngudi-a-ngânga
(mestre iniciadores) e seus seguidores (lândi) intelectualmente bem como
espiritualmente. O processo em si mesmo é chamado “Mokina ye bafwa”- conversar
com o morto . Isso é, sumariamente: - reunião com os ancestrais, i.e., com a
presença de sua energia (ngolo minienie miâu). - viver a experiência do tempo,
como hoje é vivida bem como foi vivida no passado e como deve ser vivida no
futuro. - andar no passado seguindo Kini Kia bakulu (a sombra dos ancestrais).
- rever o laço da comunidade bio-genética - n’sing’a dikânda: como fortificá-lo
e como expandir seus ensinamentos. - é estar em contato espiritualmente bem
como intelectualmente com a sabedoria tradicional Africana (kingânga) do
passado. - é entender as condições de vida e viver daquele tempo e de agora.
Finalmente, é conversar com “bakulu”, ancestrais, numa experiência pessoal, i.
é., sentindo sua presença entre nós hoje e amanhã. Por causa da sacralidade do
mundo natural como um real mundo vivo, tão ilustrado pela verdura de plantas e
florestas, mawubi/maghubi, a maioria das reuniões que dão poderes
espiritualmente é mantida em florestas. Por causa de sua importância para a
vida e o viver, o mundo natural, e a floresta em particular, são percebidos
como um templo aberto para todos. As pessoas são conduzidas para dentro desse
templo mais espiritualmente sagrado, essa biblioteca viva, para tornar-se de
verdade homem/mulher através do processo de iniciação, i. é., Mu bulwa mèso -
manter-se de olhos abertos. É um processo de aprender como se vincular com a
natureza em unidade com ela. É aprender o que as florestas armazenam (como
conhecimento) para nós; o que as plantas são para nosso uso; que criaturas
compartilham nosso ecossistema conosco. É descobrir em nosso ambiente o que é
comestível ou medicinal e o que não é. Autor – Fu-Kiau K.K. Bunseki Tradução
portuguesa por Valdina O. Pinto