Religião e Liberdade

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Rafael Sacramento é professor do Ensino Médio, Mestre em Filosofia contribuidor do Mwana Zambe.

“Um homem não pode ser mais homem do que os outros, porque a liberdade é igualmente infinita em todos.” (Sartre). Abro este texto com tal frase que pertence ao filosofo existencialista Jean Paul Sartre, que preconizava em seu sistema filosófico que uma das maiores marcas do homem, e, mesmo aquilo que o torna homem de fato é justamente o exercício de sua liberdade, que, como vimos na frase, é tão autêntica que ganha status de infinitude... Ser livre é ser humano, ser humano é ser livre... Para Sartre, sem dúvida, a liberdade não apenas constitui, mas define o que quer que seja humanidade. E mais, Sartre quer enfatizar que a liberdade é uma qualidade presente em todos os homens e não em alguns seletos. Sartre afirma que somos condenados a fazer escolha, ou seja, somos livres e tal condição é inalienável. Desta forma, se a escolha é a marca do homem, podemos entender outra grande afirmação do filosofo: “Ainda que fôssemos surdos e mudos como uma pedra, a nossa própria passividade seria uma forma de ação.” Somos tão livres para agir e escolher que até a abdicação por não fazer escolha alguma já é em si uma escolha irrenunciável... Nunca podemos nos esquivar da real possibilidade de guiar a nossa vida, mesmo que escolhamos deixar aparentemente que as coisas sigam o seu próprio rumo, que na verdade é apenas uma atitude um pouco covarde de não assumir o leme do barco em que navega a nossa vida. Para reforçar tal idéia podemos ainda utilizar outra citação do filosofo: “Todos os homens têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem.” A Coragem não é a marca do homem, assim como a liberdade, porém imagino que o homem covarde torna-se pior que os animais, pois, embora estes não tenham escolha, instintivamente a maioria de suas respostas são uma afirmação de coragem, enquanto o homem, por ter sua racionalidade, pode encerrar-se numa escolha irracional e inferior a sua animalidade, que é a covardia. A covardia acaba por ser a marca da maioria dos que seguem a “tirania da multidão”, para parafrasear com Sêneca. A “tirania da Multidão” é um conceito desenvolvido pelo filosofo Romano Sêneca, para explicar as pessoas que renunciavam a sua individualidade e seguia o curso da maioria, em outras palavras é o que chamamos de massificação. Neste sentido a covardia é abdicar de si mesmo para seguir o fluxo da multidão, ao invés de diante das tempestades da vida ter o destemor de imprimir o ritmo a rebeldia das ondas, até que estas se tornem uma verdadeira calmaria... Será, até que ponto, que vamos “deixar a vida nos levar” sem interferir autonomamente no processo decisório que nos impele a fazer escolhas diariamente, e de fato, com consciência e determinação sermos responsáveis direto do nosso destino?... Sartre nos ensina que nunca é tarde para mudar de forma significativa o rumo de nossa existência: “O homem não é a soma do que tem, mas a totalidade do que ainda não tem, do que poderia ter.”. No entanto, só podemos ter e alcançar o que desejamos e está em consonância com a aspiração mais profunda de todo o nosso ser e “vontade de potência”, como nos diz Nietzsche, se tomarmos a postura de controlar a nossa vida e defender a nossa causa maior com toda a nossa existência: “Nunca se é homem enquanto se não encontra alguma coisa pela qual se estaria disposto a morrer.”. Falta-nos a coragem de deixarmos de viver a vida dos outros, de deixar de fazer o que todo o mundo faz, para viver a nossa vida que ninguém poderá viver por nós. Até quando vamos nos esconder atrás dos outros ao invés de dar a nossa cara para bater? Quando seremos autênticos?... Estamos dispostos a fazer a diferença no cenário da existência, ou ser mais um, apenas mais um, que se perde no meio da maioria, pois abdicou de sua individualidade, para ser o que todos são? Chega!!! Encontre a coisa ou causa que realmente vale a pena lutar, todo mundo têm a sua, e de um sentido a sua estadia no mundo dos vivos, que resume-se numa contingência, na qual, a cada dia estamos mais próximos do fim... Não temos mais tempo a perder! Vamos parar de culpar os outros por aquilo que em nossa vida não deu certo, ou não saiu do jeito que planejamos, mesmo sabendo que, sem dúvida, dependemos das pessoas para obter muitas conquistas, mas também é verdade que muitas vezes nos esquivamos de nossa real responsabilidade quando as coisas não saíram da melhor forma possível e colocamos a culpa só nos outros... “O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.” (Sartre). Não somos condenados ao fracasso porque na vida alguém nos prejudicou em algum momento dela, mas apenas se fizermos do fracasso que nos conduziram o nosso próprio fracasso absoluto... Esquecermos que somos nós que damos a última palavra, pois você torna-se realmente um fracassado na vida, não quando alguém diz que você é, mas quando você acredita que é e age como tal. “O homem não é nada mais do que aquilo que faz a si próprio” (Sartre). As palavras não têm força em si mesmas, a não ser se dermos força a elas... Se alguém disser que você vai morrer prematuramente e você acreditar, simplesmente, mesmo que não exista nenhum motivo concreto para tal ameaça, conseqüentemente por conta de seu assentimento iniciará um processo de deterioração da vida no campo psicológico, que irá minando a sua vontade de viver aos poucos, até o ponto que, conjuntamente a sua perda de sentido, desembocará fatalmente num adoecimento e na eminente morte... Nem tudo que nos falam devemos acreditar, nem muito menos determina o que agente é, mas com certeza, aquilo que damos assentimento real e acreditamos que somos, de fato seremos, num estágio que pensamento e realidade se unificam simbioticamente, e tal união dará o escopo personificado da vivência de cada um. Faça a sua escolha, deseja fazer a diferença e ser você de verdade ou abdicar de sua capacidade de escolha, fazendo uma escolha covarde por não escolher, e permitir, se tiver “sorte”, que as coisas acabem “bem”... Prefiro fracassar na vida pelas minhas próprias escolhas do que vencer nela por conta das escolhas que os outros fizeram por mim, pois, para mim, neste caso, foram eles que venceram em mim e eu mesmo continuei um perdedor... Não se esqueça, para tanto, temos que ter coragem! Sermos nós mesmos é fazer a diferença, ao passo que cada vez que eu me pareço com o outro, eu anulo a diferença, uma vez que ninguém é igual a ninguém! Os tipos de força e seu poder influência

Quando paramos para pensar sobre os variados tipos de forças vigentes na sociedade, que talvez já exercemos ou exercem sobre nós, se encontram, certamente, dentre elas, de um modo geral, o uso da força física, uma ameaça por meio de uma arma de fogo, ou por meio de qualquer objeto que põe em risco da integridade física. Em outras palavras, a força coercitiva, que leva uma pessoa a praticar algo contra a sua vontade, como que violentando-se no terreno do desejo e da vontade, para atender a exigência daquele que nos impõe tal augúrio. Mas serão estes os únicos modelos possíveis de forças que exercemos ou exercem sobre nós? Será que sempre precisamos apontar uma arma para alguém para influenciá-la?

O conceito de trabalho provem do uso de um instrumento de tortura chamado tripálio, derivado do latim tripaliare, que era utilizado no adestramento de animais ou processo forçoso de fazer o escravo realizar, contra a sua vontade e condições físicas, o trabalho forçado (corvéia) que o subjugador lhe obrigará a fazer. Por causa dessa origem, o trabalho é sempre visto como algo negativo. Não vem ao caso tratar aqui da questão do trabalho, mas apenas ressaltar o quanto a força está presente nas formas, de um modo geral das relações humanas. Hoje esses mecanismos funcionam de uma forma muito mais sutil, mas ele existe em todas as relações humanas e em seus desdobramentos. Só para citar um exemplo, podemos observar o poderio dos meios de comunicação que convencem você a consumir um certo produto, por meios conscientes ou inconscientes, favorecendo a estabilização mercantil da circulação desse determinado produto, do capital gerado em cima disso, que beneficiam todas as partes interessadas e idealizadoras desse mecanismo, e pode estar por trás disso, na maioria das vezes, um sistema que funciona, mas que o menos beneficiado é você, que na verdade foi influenciado sutilmente a tal, acreditando ser o melhor... Mas embora houvesse influência inegavelmente, não significa que o melhor do ponto de vista do bem comum foi respeitado, mas privilégio de alguns em detrimento do prejuízo do outro. Devemos refletir, a influência pode ser boa ou ruim, mas, de fato, qual influência permeia a sua vida em geral? Qual influência você exerce sobre as pessoas de um modo geral? Influenciar requer também responsabilidade, pois sempre influenciamos pessoas, para algum dos lados, ao mesmo tempo que sempre estamos sendo influenciados. Mas, seja sincero, de que lado você realmente está? Será que a influência que você está exercendo é fruto de sua livre escolha ou alguém sutilmente, sem manejar uma arma, induziu você a fazer? Que ao menos, tomemos consciência que esse processo existe, é real, e façamos nossa escolha, por usá-lo para o bem comum, ou para a massificação e manipulação das pessoas. O que de fato você quer? Quem de fato você é? Não há neutralidade, mesmo quando inconscientes desse processo.


O perdão do ponto de vista religioso e psicológico: “Perdoai os nossos pecados, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”

Embora essa frase seja uma das mais pronunciadas de toda a história, e é atribuída a uns dos personagens mais respeitado, admirado e conhecido da todos os tempos, a saber, Jesus Cristo, muitas pessoas ainda não a compreenderam em sua completude, e, muitos, por não serem religiosos, fazem pouco caso dela. Mas, eu quero te convidar a uma reflexão sobre esta frase, independente de ser você religioso ou não, e pedir-te humildemente que observe seu conteúdo e sentido maior, pois, tal frase, extrapola o circulo religioso, e deve receber o status de patrimônio universal da humanidade, do ponto de vista religioso e psicológico. Muitos a entendem como uma limitação ou condição que Deus impõe ao ser humano, para que este conquiste seu perdão. Mas seu sentido teológico vai em outra direção. Deus perdoa de antemão nossos pecados, mesmo antes de nós o cometê-lo e independente de nos reconhecermos pecadores e buscarmos nossa reconciliação através do arrependimento. Ou seja, o perdão de Deus é dado, é dádiva, é graça... Todas essas palavras querem significar que Deus dá seu perdão sem pedir nada em troca, pois o que é de graça, é de graça, não busca uma troca ou condição. O que está por trás de todo este processo é que o Amor de Deus pelo pecador é maior que o seu pecado, por isso, supera a tudo: “O amor Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba.” (1º Cor. 13, 4-8). A condição supostamente proposta por Jesus nessa frase “Perdoai os nossos pecados, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”, na verdade, não é uma condição que limite o perdão de Deus, mas sim aclarar a falta de coerência humana, em sempre querer levar vantagem sobre os outros... Como queremos perdão senão somos capazes de perdoar? Em outras palavras, como queremos ser amados se não somos capazes de amar? O que Deus quer de nós é coerência e principalmente que amemos as outras pessoas verdadeiramente para merecermos o Seu amor por nós que tanto suplicamos, e, sem dúvida, a maior manifestação de amor é dada no perdão: só perdoa quem ama e só quem ama é capaz de perdoar. Perdoar alguém não significa ser conivente com o erro das pessoas, isto é, não faz sentido perdoar um criminoso e deixá-lo impune. Perdoar não corresponde à exclusão da justiça, mas sim cumprimento desta, pois perdoamos como expressão do amor, mas não apagamos as conseqüências dos malefícios causados no ato de perdoar, portanto, tais maléficos merecem ser reparados dignamente. Do ponto de vista psicológico, perdoar é uma forma de garantir a saúde emocional, pois aquele que não perdoa, leva seu ofensor para a “cama”, não tem paz dia a dia e principalmente no momento mais sagrado que é o do sono, não tem tranqüilidade para descansar, pois o ofensor o perturba, e tira sua qualidade de sono, causando insônia, estresse, sintomas psicossomáticos, que futuramente podem desencadear num câncer. “Perdoar sai mais barato”. Falar de perdão é falar de coerência, por isso extrapola o âmbito religioso. Quantas vezes nós solicitamos para si o melhor em tudo, queremos o melhor atendimento quando vamos a uma loja de roupas, ou a um restaurante, ao mercado, etc. Mas nos esquecemos de darmos o melhor atendimento quando nós exercemos a função do outro lado. Somos especialistas em querer receber aquilo que não damos. Somos especialistas em cobrar serviço, mas não em servir. Como nos diz uma oração dedicada a Francisco de Assis: “Amar para ser amado, compreender para ser compreendido, pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado...”. “Ame o Pecador, Não o Pecado” (Rm 6:22), tal frase quer que sejamos coerentes e não coniventes. Ao mesmo tempo que não permitamos que um sentimento de culpa nos tire a vontade de viver, mas que reconheçamos nossos erros e arquemos com as conseqüências, também nos impele a não sermos tão cruel com os outros a ponto de querer que paguem mais caro pelo que cometeram, e sim que pague o merecido, mas também garantir o justo perdão e a saúde emocional. Somos beneficiados ao dar benefícios. Quando perdoamos mais ganhamos do que perdemos. As coisas se invertem. Não devemos permitir que as coisas extrapolem o merecido. Mas não esqueçamos de manter a coerência e deixar a hipocrisia de lado. Nunca se esqueça de fazer antes de cobrar que os outros façam. Existe uma frase que resume nossa reflexão, presente nos evangelhos e também atribuída a Jesus e que é considerada a regra de ouro da moral cristã: “façam aos outros aquilo que você gostaria que fizessem a você”. Compromisso

Quando duas pessoas resolvem se casar e assinarem um contrato civil e participam de uma cerimônia religiosa, onde assumem um compromisso diante de Deus e dos homens, mas principalmente diante de si mesmos que viverão o dia a dia da vida de um casal, podemos notar um ato único que envolvem ao menos duas testemunhas para ter validade tanto no caso civil como religioso. Um ato único e um casal feito em conjunto com o todo... São duas pessoas que se casam diante de si mesmas, dos outros, convidados e padrinhos, das autoridades civis e religiosas e diante de Deus, ou seja, um ato único que envolve a totalidade. Essa realidade metafórica que ocorre no casamento comumente tomado acontece em várias etapas e compromissos que assumimos na vida diariamente. Assumimos compromisso com o nosso trabalho, com a nossa escola, com nossos amigos, com a igreja, com a nossa família... A vida é norteada de compromissos assinados e mantidos... Mas até que ponto bem administrados? Não assinamos um compromisso quando praticamos o ato de assinar algum papel, damos a nossa palavra, nosso assentimento, nosso sim... Isso é apenas uma etapa do compromisso. Assinamos o nosso compromisso a cada dia que honramos essa demanda que nos comprometem. Compromissar-se com algo é mais que uma mera assinatura... Não sou fiel aos meus compromissos apenas no exercício efetivo que o evidencia, no caso do casal, o compromisso não é assumido apenas quando eles estão presentes um para o outro, mas levamos nosso compromisso para onde formos... Temos que ser fiel a ele, onde estivermos. Não há momentos em que ele é suspendido ou ato em que ele não é contemplado, mas em tudo que fazemos, colaboramos ou não para a retificação de nossa primeira escolha e juras: honrá-lo devidademente. Um contrato, um compromisso é constituído de direitos e deveres, em que um não anula o outro, ou seja, o fato de ser traído em qualquer dos meus compromissos não me da o direito de trair também... Isso é despersonalização e negação dos valores que outrora asseveramos ter... Mas é fácil tê-lo apenas quando conveniente... Como será que estamos administrando os nossos compromissos? Estamos de fato compromissados com o compromisso que assumimos em cumpri-lo por nossa responsabilidade e convicção pessoal, ou usamos o descumprimento de umas das partes como justificativa para ocultar a nossa incapacidade de cumpri-lo meritoriamente?... É algo de se pensar...

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